Buracos negros e estrelas de neutrões podem possuir uma mesma origem. Esses objetos "nascem" com a "morte" de estrelas com grande massa. Com observações utilizando o Very Large Telescope (VLT) e do New Technology Telescope (NTT), localizados no Chile, grupos de pesquisas diferentes observaram evidências de um objeto compacto após uma supernova em uma galáxia próxima a NGC 157.
Quando as estrelas grandes chegam ao fim de suas vidas, elas colapsam devido à sua própria gravidade, o que provoca uma explosão muito forte chamada supernova. Após essa explosão, acredita-se que o que sobra da estrela é um núcleo muito denso. Dependendo da massa da estrela, esse núcleo pode ser uma estrela de neutrões, um objeto tão denso que uma colher de chá de seu material pesaria cerca de um bilhão de quilos na Terra, ou um buraco negro, que é um objeto do qual nada, nem mesmo a luz, pode escapar.
Os astrónomos já encontraram várias evidências que sugerem esse processo, como a descoberta de uma estrela de neutrões no centro da Nebulosa do Caranguejo, que é uma nuvem de gás formada após a explosão de uma supernova que aconteceu há quase mil anos. Porém, até agora, nunca haviam observado esse processo em tempo real. Isso significa que ainda não haviam conseguido capturar evidências diretas de uma supernova deixando para trás um núcleo compacto. "Com nosso trabalho, conseguimos estabelecer uma conexão direta", disse Ping Chen, investigador do Instituto Científico Weizmann, em Israel, e principal autor de um estudo publicado recentemente na revista Nature.
Essa descoberta dos astrónomos foi possível graças a uma supernova chamada SN 2022jli, que foi observada em Maio de 2022 por Berto Monard, um astrónomo amador da África do Sul. A supernova ocorreu na galáxia NGC 157, que está a cerca de 75 milhões de anos-luz de distância da Terra. Duas equipas separadas estudaram o que aconteceu após a explosão e notaram que o comportamento da SN 2022jli era diferente das outras supernovas.
Normalmente, o brilho de uma supernova vai diminuindo de forma suave e gradual ao longo do tempo. Mas, no caso da SN 2022jli, o brilho não diminuiu de forma regular, ele oscilava a cada cerca de 12 dias. "Foi a primeira vez que observamos essas oscilações periódicas repetidas na curva de luz de uma supernova", explicou Thomas Moore, estudante de doutorado na Queen’s University Belfast, na Irlanda do Norte, que liderou o estudo da supernova, publicado no The Astrophysical Journal.
Tanto a equipa de Moore quanto a de Chen acreditam que a presença de uma estrela companheira pode explicar esse comportamento. Muitas estrelas de grande massa têm uma estrela parceira com a qual orbitam, formando o que é chamado de um sistema binário. A estrela que originou a SN 2022jli também fazia parte de um sistema binário. O que é interessante nesse caso é que a estrela companheira parece ter sobrevivido à explosão da sua parceira, e os dois objetos, o núcleo compacto e a estrela companheira, provavelmente continuam orbitando um ao outro.
Embora os dados coletados pela equipa de Moore não tenham permitido determinar exatamente como a interação entre os dois objetos causou as oscilações no brilho, a equipa de Chen fez observações adicionais e encontrou os mesmos padrões de oscilação no brilho. Além disso, eles observaram movimentos periódicos de gás hidrogénio e explosões de raios gama no sistema. Essas observações foram feitas com diferentes instrumentos, tanto com telescópios na Terra quanto com telescópios espaciais, incluindo o X-shooter montado no VLT do ESO, no Chile.
Com base nas informações reunidas, as duas equipas concordam que, quando a estrela companheira interage com o material lançado durante a explosão da supernova, sua atmosfera rica em hidrogênio se expande mais do que o normal. Quando o núcleo compacto (resto da supernova) passa por essa atmosfera ao seguir sua órbita, ele "rouba" hidrogênio gasoso, formando um disco quente de matéria ao seu redor. Esse processo de "acréscimo" de matéria gera muita energia, o que explica as variações regulares no brilho observadas.
Embora os cientistas não tenham conseguido observar diretamente a luz vinda do objeto compacto, eles concluem que esse "roubo" de matéria só pode ser causado por uma estrela de neutrões que não conseguimos ver ou, possivelmente, por um buraco negro, que está retirando matéria da estrela companheira. "Nosso trabalho ajuda a resolver esse mistério, juntando todas as pistas disponíveis", disse Chen.
Com a presença de um buraco negro ou uma estrela de neutrões, ainda há muito a ser descoberto sobre esse sistema, como a natureza exata do objeto compacto e qual será o destino desse sistema binário. Telescópios da próxima geração, como o Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, que começará a operar no final desta década, ajudarão os astrónomos a responder a essas perguntas e a revelar mais detalhes sobre esses sistemas.
Fonte:
Trabalhos publicados em na Nature: "A 12.4 day periodicity in a close binary system after a supernova" (doi: 10.1038/s41586-023-06787-x) e na The Astrophysical Journal Letters: “SN 2022jli: A Type 1c Supernova with Periodic Modulation of Its Light Curve and an Unusually Long Rise” (doi: 10.3847/2041-8213/acfc25).